CRITICA | Uncharted: Fora do Mapa pensa em criar uma franquia e esquece do filme

Adaptação dos games não se trata de um longa ruim, mas é aventura burocrática e nada memorável.
By CAJR
17/02/2022

Após anos de espera, a adaptação de Uncharted finalmente aconteceu. A série de jogos da Playstation, que gosto de definir como uma mistura de Indiana Jones com a ação da franquia Bourne, tinha tudo para funcionar nas telonas, mas decisões criativas, que vão desde a concepção do projeto -- ao tentar, antes de se estabelecer como filme, uma franquia --, passando por roteiro e direção, transformaram Uncharted: Fora do Mapa uma obra que tem tudo para ser esquecível.

Uncharted e o cinema

Aos que não conhecem a franquia de jogos, aqui vai um breve resumo: Nathan "Nate" Drake (originalmente, Nathan Morgan) é o protagonista da série de jogos Uncharted, estrelando quatro títulos ao todo. O personagem é um caçador de tesouros profissional, caracterizado por sua personalidade carismática e bem-humorada, mas também rebelde. Ele é descrito como um especialista em ação e recuperações em alto mar, provando suas habilidades. Desde sua infância, Nate e seu irmão mais velho, Samuel Drake, se passam por descendentes do famoso explorador inglês Francis Drake.

Na série principal, Uncharted: Drake's Fortune (2007), Uncharted 2: Among Thieves (2009), Uncharted 3: Drake's Deception (2011) e Uncharted 4: A Thief's End (2016), seguimos Nathan Drake como um adulto viajando pelo mundo para invadir locais históricos em busca de cobiçados tesouros perdidos, desde desvendar os segredos do mítico El Dorado até rastrear o ouro pirata perdido de Henry Avery. Seu estilo e personalidade é semelhante ao de outros personagens clássicos, como Lara Croft e Indiana Jones.

Se pensarmos melhor, Uncharted já é uma amalgama de grandes aventuras do cinema, como Indiana Jones e a Última Cruzada (1989), A Múmia (1999) e A Lenda do Tesouro Perdido (2004). Então, por que fazer o caminho inverso se tudo isso já existe? Simples, assim como os personagens centrais dessas obras já citadas, as figuras destacas em Uncharted se sobressaíram de um jeito que estão além do gênero de aventura em questão. E talvez o quarto título era exatamente o que faltava para a franquia criada pela Naughty Dog finalmente aportar no mundo do cinema.

O filme

No longa, Tom Holland encarna uma versão jovem do querido protagonista Nathan Drake, que precisou se virar sozinho por anos, depois que seu irmão fugiu por conta das encrencas em que os garotos se metiam. Após ser encontrado e ter seus serviços de malandragem e conhecimentos de história contratados por Sully (Mark Wahlberg), os dois partem em uma jornada em busca de um antigo tesouro.

A premissa é boa. Um bom filme de aventura se sustenta em argumentos simples para criar motivações que levam a uma série de cenas absurdas, que podem entreter o público apenas pela ousadia, mas em Uncharted, as decisões básicas do roteiro chegam a incomodar.

Menos é mais

Assim como no jogo, a narrativa é repleta de perseguições, lutas e diversos conflitos. A trama segue a jornada de Nate e Sully que encontram adversidades no caminho, como o grupo liderado por Braddock (Tati Gabrielle) e assim como no game, uma série sucessiva de troca de vilões.

A maneira com que essa relação foi abordada no filme, traz uma sensação de estar assistindo a uma partida infinita, cheia de surpresas, mas nem todas elas agradavam. Há um termo na indústria cinematográfica que explica a imersão com que diversas cenas do longa foram inseridas, se chama “deus ex machina”.

A ideia é de que uma força superior consegue surgir sem nenhuma explicação anterior e resolver tudo. É como quando o mocinho de um filme está em apuros e de repente surge algo para ajudá-lo. É uma técnica interessante quando aplicada, mas quando é feito um exagero de tal atitude, a obra se torna mais clichê e o roteiro pode não agradar muito ao público, que questiona o fundamento dessas resoluções, esse é o caso de Fora do Mapa.

Pontos positivos

Se tem algo no filme que chama atenção na seara estética, é a direção de arte. A cargo de Shepherd Frankel (responsável por Homem-Formiga e sua continuação), toda a construção de cenários, a liberdade conseguida por passear por diferentes partes do mundo, a unidade que agrega à produção sem perder a individualidade de tantos espaços e países distintos, e a forma alegórica com que o filme chega até seu climax e apresenta os cenários que eram antevistos durante toda a produção, chama a atenção justamente porque a Disney, referência nesse espaço, é especialista em transformar tudo que toca em parque de diversão. Aqui, vamos de ambientes de profundo requinte a lugares tecnológicos até chegar nos navios do final, tudo parecendo orgânico, e permitindo ao filme um pouco de beleza.

Já no elenco, uma atriz chama a atenção e realça ainda mais sua personagem. Tati Gabrielle como Braddock é a grande vilã da parada, e ela não está nem aí para concorrência. É anunciada desde a primeira aparição como alguém que devemos temer, e isso vai se intensificando a cada nova cena da personagem, que por si já é ótima. A carga que Gabrielle dá a sua interpretação, que mistura astúcia, perigo e muito carisma (uma tempestade dele) são as armas pelo qual o elenco na totalidade segue embevecido pela figura, que impressiona e garante a atriz um lugar de destaque na produção a ponto de quase apagar os protagonistas; que o futuro seja feliz para a atriz, que aparecera em séries populares (Você e The 100) e merece um grande filme para si.

Referências

É inevitável ressaltar haver grandes referências do game no filme, se tornando uma adaptação fiel em muitos pontos. Isso é possível enxergar na primeira cena, em que Nate está caindo do avião em uma perseguição. O filme também resgata personagens importantes como Chloe Frazer, interpretada por Sophia Taylor Ali. Mesmo que ela apareça apenas no segundo jogo da franquia, a personagem desempenha um papel importante na narrativa e sugere certa inocência e imaturidade de Drake. Mas, assim como aprendemos em Resident Evil: Bem-Vindo a Raccoon City, referência por referência, não sustenta um filme.

Conclusão

Como já citado, Uncharted: Fora do Mapa tenta, desde a escalação do elenco, ser uma franquia e trata o público que irá pagar pelo ingresso, como um cliente, e entende que precisa do maior número de representatividade possível na frente da tela para que um grupo abrangente de pessoas seja convencido a se deslocar. Para isso, etnias são misturadas, um Antonio Banderas dá as caras, inúmeros locais paradisíacos estão na pauta do dia – como se fosse um imenso cardápio, as opções são variadas. E aí, independente de duas cenas espetaculares serem realizadas com cargas de adrenalina muito altas, que elevam o patamar final, a lenta primeira parte repleta de explicações desnecessárias e esse campo de perceptíveis tópicos a serem cumpridos, deixam a produção com uma co ra burocrática, acima de tudo. Tenho certeza que em algumas cenas vou esquecer desse filme.

Como consolação, recomendo um curta feito por fãs e interpretado por estrelado por Nathan Fillion, que em menos de 15 minutos entrega muito mais que o longa oficial:


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CAJR - Carlos Alberto Jr

Resultado de uma experiência alquímica que envolvia gibis, discos e um projetor de filmes valvulado. Jornalista do Norte que invadiu o Sudeste para fazer e escrever filmes.
  • Animes:Cowboy Bepop, Afro Samurai e Yu Yu Hakusho
  • Filmes: 2001 – Uma Odisseia no Espaço, Stalker, Filhos da Esperança, Frank e Quase Famosos
  • Ouve: Os Mutantes, Rush, Sonic Youth, Kendrick Lamar, Arcade Fire e Gorillaz
  • Lê: Philip K. Dick, Octavia E. Butler, Ursula K. Le Guin e Tolkien
  • HQ: Superman como um todo, assim como as obras de Grant Morrison e da verdadeira mente criativa por quase tudo na Marvel: Jack Kirby